Salomão Rovedo: Um conto, uma história

Literatura & Arte

Mês: março, 2023

Travessia

“Estás completando gloriosamente a tua travessia”. Disse-me abrindo os braços de Norte a Sul o amigo Moacyr. Aceitei o abraço, mas não a grandiloquência do gesto, que veio moldurado com uma dessas frases feitas, às quais – confesso – não sou chegado. Tenho cuidados: a frase feita parece o destino perfeito, a sorte exata, o Norte ideal, mas não é, ao contrário, é enganosa, traz muita lantejoula, muita purpurina, como a filosofia do Carnaval. Estaria Moacyr querendo repetir Lao Tsé ou imitar o camarada Mao Zedong, na famosa frase sobre a longa caminhada? Mao atravessou o território chinês (um pouco maior que Cururupu), na guerra contra os lacaios capitalistas, mas o Moacyr? Não creio. Mas aceito a sinceridade do retrato que tentou fazer da minha existência. Viver é de fato uma travessia, uma viagem Terra-Marte, da qual se sabe o destino, mas desconhece o que irá ocorrer durante a peregrinação. É justo esse interregno entre o primeiro e o último passo que mora o ‘corpus’ disso que se chama vida, existir. Alguns conseguem (ou pensam assim, não sei), pôr ordem na travessia, transformar o caos cósmico num Caminho de Santiago minado de placas indicativas, pousos aconchegantes, fontes de águas cristalinas, vinhos Albarinhos, culinária santa! Muitos (como este que escreve) – vedados como burro de carroça, não conseguem ver um palmo adiante, se maravilham com a paisagem e é só. Bola pra frente! Anti-herói da criação divina, manchei o catálogo da Fábrica-Celestial-de-fazer-Gênios. A única e pouco gloriosa travessia que realizei, foi na insensata vez que, rapaz, resolvi cruzar a nado da Av. Beira Mar à Ponta d’Areia. Cheguei do outro lado, desmaiei. Quase morri! Não estaria aqui abraçado ao Moacyr com a frase grudada ao ouvido: “Estás completando gloriosamente a tua travessia”. (28/03/2023)

Aniversário

Recebi aviso do BB que já tem ‘resposta’ às justas reclamações que expus aqui mesmo. Quando leio a expressão ‘resposta’ traduzo logo em ‘justificativa’ para algo injustificável – na linguagem popular, um ‘fôdace’. Mas não vou tratar disso agora porque hoje, 22 de março, é dia de aniversariar, coisa que atualmente faço logado no melhor estilo ‘velho ranzinza’: despenduro as redes sociais, não atendo telefone, não leio e-mail, só aceito abraços e beijos de parentes e afins. Se calhar, de repente calço chinelos e saio a bundear anônimo pelas ruas do Cachambi até cansar da vida. De entremeio, me aventuro no supermercado, dou uma olhada breve na carestia empilhada nas prateleiras, gôndolas e frízeres (prazer que os residentes na Zona Sul, nos Jardins, nas margens do Lago Paranoá e outros paraísos fiscais, não sentem). Depois dessa maratona, se os fundos permitirem, derrubo uma ou no máximo duas cervejas ‘Colorado’ Ipa, espantado com a cor âmbar faiscante que os cervejeiros de Ribeirão Preto conseguiram reproduzir das similares importadas, me deliciando com o breve amargor que só atinge a garganta ao fim do gole. Assim renovo as forças para voltar à casa, talvez jogar xadrez online, talvez irritar o gato que dorme em paz, até que ele me azunhe as mãos e deixe os braços cheios de arranhões sangrentos. Tudo isso procuro fazer sozinho (sozinho não, com Deus), apenas com o incômodo de um ou outro passante, um alô, um como vai ou somnete um aceno do outro lado da rua. Então, estamos combinados: amanhã a gente se fala… (22/03/2023)

Os Bancos e os Idosos

Fui ao Banco do Brasil (BB) resolver umas paradas e saí me sentindo o lixo da sociedade. É no Banco do Brasil (BB) que recebo a mixaria codinome “aposentadoria”. Desde o ano passado venho sendo ignorado, sem dar solução a muitos problemas que poderiam ser resolvidos via internet. 1) Sofri restrição no atendimento online, muito “dirija-se à sua agência”. Estranhei. Gastos, demissões, filiais fechadas, redução de filas, tudo caiu por terra. 2) Quero resgatar ações de telefônicas, o que é de responsabilidade do Banco do Brasil (BB). Atendido por um jovem gerente, ele me informou que fez o pedido de resgate, mas se recusou a ceder cópia da solicitação. Como vou acompanhar? E a Lei de Acesso à Informação? 3) Reclamei das restrições e proibições que o Banco do Brasil (BB) está impondo aos direitos de consumidor. Ele me informou que após 80 anos de idade perco franquia a muitos benefícios e facilidades que o Banco do Brasil (BB) dá aos demais clientes. Ou seja: Discriminação pura! Ofensa ao Estatuto do Idoso e outros Crimes mais. Cabe lembrar que a privatização e capitalização do sistema bancário e telefônico foram feitos sob a égide socialista, no Governo do facínora bígamo Fernando Henrique Cardoso, codinome FHC. Quando o Socialista Presidente Lula deu à Paraíba a Presidência do Banco do Brasil (BB), declarou em discurso que o Banco do Brasil (BB) não dá aumento salarial ao funcionário porque o Banco do Brasil (BB) tem que dar Lucro. Então, está oficializado: o Cidadão que trabalhou a vida inteira para sustento do país, quando se aproximar e chegar aos 80 anos de idade, será descartado no lixo, como eu fui pelo Banco do Brasil (BB), para quem os idosos todos já estão mortos. Eu, além de morto, estou puto! (14/03/2023)

Xadrez

Próximo a completar 81 anos, a família me ofereceu de presente jogar o XII Mem. Bobby Fischer, de 17 a 19 de março, em João Pessoa (PB). Agradeci, mas RECUSEI. NÃO VOU. NÃO IREI. Não vale mais a pena, para mim, o trabalho de arrumar e mochila, pegar táxi, ir ao aeroporto, viajar ao lado de um chato, chegar a João Pessoa, aturar outro táxi ou fake-uber para abraçar o Fernando Melo e ser feliz POR TRÊS DIAS APENAS no Littoral Hotel, mesmo sem esbarrar nos fantasmas de Antônio Rocha, Alexandru Segal, Hélder Câmara, Norma Snitkowski, José Másculo e outros. Era tempo de Torneio de Xadrez com turismo, passava-se a semana toda em Itatiaia, Poços de Caldas, Itanhaém, Águas de Lindoia e outras cidades, convivendo com esses gênios, nossas esposas e amigos, juntados ao Hermann, Luismar, Herbert, Dyrk, Joara – a lista não cabe aqui. Alguns senões: 1) a data coincide com outros torneios importantes (Poços de Caldas); 2) é injusto e indesejável Torneio Suíço de 6 Rodadas com tantos jogadores; 3) é sacrificar a criança, o idoso, os especiais, fazê-los jogar duas rodadas ao dia; 4) por fim, com ratings de 0-2500, é necessário organizar torneios em sistema de grupos. Sei do esforço do meu amigo Fernando Melo, dos Árbitro, dos Dirigentes da FPX, em manter o torneio vivo. Nessa magnífica realização Fernando Melo semeou grande parte de seus sonhos. Não participarei, também, por razões éticas e morais, de cunho pessoal. Porém, fossem quais fossem os motivos, sejam quais sejam as razões de eu não comparecer, não farei falta. Ademais, nada será capaz de embaçar o brilho do XII Memorial Bobby Fischer, nem esconder a realidade de que Fernando Melo colocou seu nome na história do xadrez brasileiro com essa grandiosa realização. (03/03/2023)